segunda-feira, 26 de maio de 2008

GUINÉ,FAP E NÃO SÓ...














228-Manuel Lema Santos
1ºTen.Reserva Naval Guiné

Belas




Meu Caro Victor Barata,

Poderia passar por menos educado, não fora a minha ignorância da publicação que fizeste do meu texto do Cumbijã e de que, apenas por mero acaso, me dei conta.
Confesso que já podia e devia ter contigo comunicado há dias atrás mas, a necessidade que tenho tido de tentar alongar o tempo disponível diariamente, com insucesso total acrescente-se, tem-me feito protelar a comunicação.
Trata-se de agradecer a inclusão do texto no teu blogue numa sintonia de camaradagem que me lembra os excessivamente reduzidos contactos havidos com a FAP, mesmo na Guiné, em oposição à excelente imagem que dessa Instituição guardo.
E tenho motivos justificados para essa grata recordação.
Começa porque fui despachado para a Guiné num DC 6, quadrimotor da FAP, em 31 de Maio de 1966, aeronave de transporte de páraquedistas ou carga, suponho, já que dispunha de bancos em lona estendidos em fiadas ao longo da fuselagem. Era assim ou estou a delirar, ainda apanhado pelo clima?
Expliquem-me os especialistas...
Pelo caminho, em jeito de treino complementar, como quem nos sujeita a testes de sangue frio, um dos motores do lado esquerdo, ameaçou incendiar-se algumas vezes, sendo classificado como "avaria técnica", tendo feito escala no Sal. Umas longas 9:45 horas depois pisávamos o solo em Bissau.


Foto. LFG Orion na qual Lema Santos foi o seu imediato,a navegar no Cacheu

Embora tendo havido missões abortadas por diversos motivos, não me recordo de alguma vez, com a LFG Orion, a FAP se ter ausentado na hora do apoio, facto constatado ao longo dos meus dois anos de comissão.Em todos os momentos em que foram necessários, do Cacheu ao Cacine, com outras unidades navais, fuzileiros, páraquedistas ou exército, o necessário apoio aéreo esteve sempre presente e foram muitas as missões. Cantanhez e Cumbijã, Ilha de Como e Cobade, uns toques de Olossato no Cacheu, onde não se deve esquecer o Tancroal com o Porto Batu sem esquecer outros locais, viraram imagem de marca registada para quem por lá andou, a pé, a navegar ou a voar!
Dormir descansado é que era difícil!Recordo especialmente o pesadelo de filme a que chamávamos "Os Canhões de Navarone" que do início de 1965 a 1972, data do último episódio que tenho registado, passou em múltiplas sessões na entrada da barra do rio Cacine, margem esquerda, com canhão anti-carro 57 mm. Naquela ponta da Ilha de Canefaque, zonas de Cassumba, Cassebeche e Cassantene, as LFG's eram especialmente brindadas com mensagens de boas vindas que nos obrigavam a navegar em ocultação de luzes, à noite, e com as máquinas praticamente no mínimo para evitar o ruído por eles detectado. Visavam-nos a distâncias superiores a uma dezena de quilómetros e as nossa anti-aéreas de 40 mm, eram pura e simplesmente inúteis, já que os projécteis deflagravam no ar, por gravidade, ao iniciarem a trajectória descendente.
Connosco a fazer de chamariz, sós ou acompanhados por irmãs gémeas, com desembarques de fuzileiros, páraquedistas e até com obus do exército montados numa LDG, a Força Aérea também lá foi várias vezes com Fiats G-91.
Suponho até que um deles até foi atingido de nariz numa picada que fez para o objectivo em Cassumba. Dispunham de Guryunov quádruplas anti-aéreas e também não se encolhiam demasiado!
Se houver alguém habilitado a fornecer esclarecimentos adicionais todos agradeceremos por certo.
O dispositivo de que fazia parte um abrigo anti-aéreo foi destruído mas supôs-se voltar a renascer das cinzas. Aliás, esteve sempre em causa a estratégica ambição do PAIGC de fechar a barra do Cacine à nossa navegação. Nunca foi bem sucedido.
Tenho no meu espírito registados alguns outros acontecimentos, igualmente gratificantes, fruto do meu relacionamento com a Instituição FAP mas deixarei para conversa mais alargada, em ocasião própria mas também com mais inspiração.

Um abraço de Amizade para todos,



Manuel Lema Santos
1ºTEN Reserva Naval, 1965/72
Guiné, 1966/68
LFG "Orion"


VB.Lema Santos,antes de mais congratulo-me com esta tua, sempre desejada, mensagem
que tanto tardava a chegar.As tuas narrativas descrevem-nos os factos com uma funcionalidade tão viva que,por vezes,dá-nos a sensação que estamos no próprio local.
Quanto ao DC 6,...era mesmo assim,mas...muito seguro,tinha mais três motores!
A missão da Força Aérea,muitas vezes incompreendida por muitos,foi sempre cumprida e muitas vezes em situações muitos arriscadas.Quando se fala da falta de evacuações nocturnas,eu digo que ainda se fizeram algumas.Recordo,como exemplo,eu próprio com o piloto,fazer uma a S.Domingos de Ingóre,cerca das 22:00h,em que a iluminação da pista era feita através de bidons de 200l ,nos dois lados da pista de terra batida,por archotes incendiados tipo fogueiras. O vento obrigou-nos a fazer a final, para alinhar à pista, por território que não era "nosso". Enfim,temos que saber entender o desespero de quem estava ferido no terreno e que precisava de um hospital para aliviar a sofrimento por que estava a passar.
Já lá vai,é bom que ainda cá estejamos para contar estes episódios.

Espero que a tua ausência não seja tão longa coma esta última.