domingo, 24 de agosto de 2008

O MEU BAPTISMO DE VOO!



390-Américo Silva
Esp.MARME 1ª/69 Guiné
Angola











Caro Victor


Todos nós temos estórias para contar dos tempos em que servimos a FAP.
Uns com mais, outros com menos jeito para as contar.
Eu, de quando em vez, sou "picado" pela musa da inspiração e quando assim é, agarro-me ao computador e só paro quando acabo.
Por vezes acontece levantar-me da cama, por falta de sono, vir bater uma palavras e de seguida, aí sim, voltar para a cama e adormecer com facilidade.
A testemunhar o que acabo de descrever, aqui te envio mais uma "estória" minha, cujo título é:

O MEU BAPTISMO DE VOO.







O meu baptismo de voo.

Era um domingo calmo como quase todos os domingos em que não haviam movimentações de aeronaves em operações.
Tal como naqueles dias em que se resolvia “fechar as portas da guerra”, como dizia o Raul Solnado.
A manhã estava calma, solarenga, permitindo “passear” pela placa, frente aos hangares e poder comer uma sandes de queijo e beber uma coca-cola gelada, vendida pelo pessoal que explorava o pequeno bar “adaptado” num dos recantos do hangar dos Fiats e gastar assim o tempo de serviço à linha da frente.
Também de serviço estava o meu amigo 2º Sar. MMA Olímpio Pascoal.
Vi-o dirigir-se a mim e perguntou: - queres dar uma volta de T6 ?
Eu que nunca tinha voado, para além da viagem da Metrópole até Bissalanca num Douglas DC-6, dos T.A.M., nem perguntei mais pormenores e respondi – quero, pois!
-Então vai lá abaixo ao Comando, pedes um para-quedas e vem no jeep com o piloto, que entretanto eu digo-lhe que tu vais com ele.
Assim foi.
Com o entusiasmo que baste, estava satisfeito em ter finalmente o meu verdadeiro baptismo de voo, até ao momento em que ele me ajudou a ajustar os “suspensórios” e o cinto da cadeira e me disse:
– olha que isto é um voo de experiência deste avião, após a inspecção.
Era tarde demais para recuar no convite. O motor estava já a trabalhar, o hélice rodava e os calços estavam a ser tirados para a aeronave avançar para o taxi-way.
Bom, pensava eu, meio entusiasmado, meio expectante, será o que Deus quiser.
O T6 alinhou-se no centro da pista, rapidamente começou a ganhar velocidade e a primeira sensação foi de temor, pela constante movimentação que a cauda transmitia, ora para a direita, ora para a esquerda, até se elevar no ar e ganhar altura.
Agora a sensação era outra, ultrapassados que foram os primeiros minutos pelo desconhecimento. A paisagem era magnífica. Enfim, comecei a pensar que, afinal valeu a pena..., mas foi por curto tempo, até o piloto dizer:
- agora vamos testar as capacidades do motor da aeronave, prepara-te.
De seguida uma brusca queda de asa com uma picada terrível, uma recuperação poderosa com saída para o lado direito. A força da gravidade (Gês) era tão forte que eu quase desmaiava, permanecendo o meu corpo sem qualquer hipótese de reacção.
Isto passou-se por largos minutos até voltarmos para a base.
Acho que naquele momento, Deus ouviu o meu pedido em pensamento...
Eu vinha talvez com as cores do arco-íris, com preponderância para os amarelos, brancos...
A palavra de ordem era: Aguentar!
Já na final, com o trem de aterragem baixo, a alguns metros de tocar na pista, foi o limite da minha capacidade de aguentar e foi tudo “carga ao mar”..., e nem sequer “saquinho de plástico” levei comigo.
Quando saltei para fora do avião, as minhas pernas fraquejaram e só pedi que me levassem para a camarata, todo sujo e envergonhado.
O bom do Pascoal, só se ria e me dizia:
- a multa é no mínimo uma grade de cerveja. É da praxe. Isto claro, para além de ter de limpar por dentro o avião.
Enfim, “o prometido é devido” e “praxes são praxes” !
Lá tive que pagar a grade e fazer de faxina limpando o avião não fosse o Sarg. Ajud. Não gostar da conversa e ainda me aplicar o respectivo “correctivo”...
Naquela altura fiquei muito frustrado, mas serviu-me de lição. Disse para mim próprio:
- Para a próxima, faz primeiro o “briefing” , prepara-te para não seres surpreendido.
Hoje, 38 anos depois, relembro com saudade esses momentos únicos que todos passamos.

Américo