sábado, 24 de outubro de 2009

VOO 1232 MARATONA PARA A ETERNIDADE.



Aniceto Carvalho
MMA, 1952
Angola, Moçambique
Montijo

Maratona para a eternidade

Com apenas um acidente fatal até 1958, os três anos seguintes não foram de modo algum nada felizes para a Base Aérea 6. Quando em Abril de 1959, o Dakota se despenhou ao largo de Cascais ainda mal estávamos refeitos do acidente do Beechcraft.
O avião era da Portela, ia para Angola, com pessoal de apoio ao exercício Himba.
O modo como sentimos a morte de alguém, depende do distanciamento ou da proximidade afectiva: O desaparecimento de uma figura destacada, nunca tem o mesmo significado que o de um conhecido, de um colega de trabalho, muito menos de um familiar.
As 28 vítimas do Dakota eram da minha arma, 4 da minha unidade: o tenente Coelho, navegador, o engenheiro Valle, o meu chefe de manutenção nos helicópteros, o sargento Lopes, mecânico de rádio, e o Albino, do meu curso e particular amigo.


Legenda: Albino Carvalho Rodrigues
Fotos: Aviação Portuguesa de Aniceto Carvalho (direitos reservados)

Pelo nosso padrão, o Albino, o baixote mas brilhante moço de Fafe, devia ser o último a deixar-nos. Tanto quanto sei, que o conhecia bem, o Albino nunca tinha tido uma briga com ninguém; fosse na paródia mais ruidosa ou no assunto mais sério, era o bom senso, a palavra da ponderação. Até a inteligência utilizava com parcimónia: só a que lhe era necessária... se não precisava de se esforçar para chegar ao fim do curso, bastava. Perder um bailarico para atingir o primeiro lugar, não fazia parte das suas preocupações.
Estávamos na época das maratonas de natação, quando o Baptista Pereira corria o Tejo duma ponta à outra, do Cais das Colunas para Alhandra e dali para o Montijo, depois de ter vencido a travessia do Canal da Mancha.
Como quase todos, à conta de passar todas as horas de folga com a cabeça dentro de água, o Albino sabia nadar, e bem. Tinha físico para a modalidade: Baixo e entroncado, sem qualquer esforço, tinha as condições dum praticante.
Um dia de Verão, em calções de banho, fomos dar uma volta até à Casa Branca.
- Agora, para baixo, vamos a nadar - disse ele.
- Ó Bino... mas daqui lá abaixo, são dois quilómetros.
- Vamos pela beirinha... se não der, fazemos o resto a pé.
Como eu dizia, de facto, era mesmo muita areia junta. O Tejo estava picado, a água demasiado suja do lodo. Além disso, a minha compleição, tipo foguete, ao contrário da dele, estava bem longe de ser talhada para aquelas andanças.
Desisti pouco depois, continuei a acompanhá-lo da margem.
Passado mais um bom bocado, talvez pela falta do incentivo da companhia, ou porque já lhe chegava, O Albino acabou por desistir também. Olhou a distância percorrida, considerou a que ainda faltava para chegar aos alojamentos.
- Por mais um pouco, chegávamos ao depósito da água... Fica para a próxima. - Encolheu os ombros e adiantou: - De qualquer modo, acho que batemos o recorde da base.
O Albino foi um dos primeiros mecânicos do meu curso a partir para o Ultramar. Nem chegou a sair de Portugal. Agora, o seu corpo jazia algures, em frente a Cascais.
O corpo do Albino nunca chegou a aparecer... Foi uma maratona para a eternidade.

Aniceto Carvalho

JC:
Aniceto, com todo o prazer aqui reproduzimos o seu texto recordando passagens do serviço na FAP e louvando a memória do seu companheiro de curso e amigo Albino Carvalho Rodrigues.
Fortes laços se criavam na nossa passagem por essa instituição, a Força Aérea Portuguesa. Alguns quebrados fisicamente, mas, perdurando sempre nas nossas memórias, felizmente outros podemos e devemos manter vivos e reforçar pois a amizade é um bem precioso que devemos cuidar e estimar.

Saudações Especiais