terça-feira, 20 de julho de 2010

Voo 1845 UM DIA NA VIDA DO HELICANHÃO "O LOBO MAU" (1)






Américo Silva
Esp.MARME "Lobo Mau"
Angola





Caros “tertulianos”

Passados que foram alguns (poucos) dias de férias, “na Tuga”, em companhia da família, completamente afastado das “nets” e bem assim dos hábitos e rituais de um normal dia-a-dia de trabalho, eis-me de volta “ao nosso mundo”, agora com a particular preocupação em dar cumprimento à função de escrever algo sobre “um dia na vida do helicanhão”.

Assim e se bem me lembro…

O “Lobo Mau”, “nickname” atribuído ao helicóptero Alouette III, era equipado com um canhão MG, de calibre 20mm, com munições explosivas e incendiárias.

Era sem sombra de dúvidas uma das mais temíveis “armas de guerra”, utilizada na guerra do ultramar, devido às características próprias do helicóptero, pela sua grande capacidade de manobra, aliado ao enorme poder de fogo.

A tripulação era constituída apenas por dois elementos, piloto e atirador, que faziam uma equipa simples mas eficaz, garantindo assim um bom desempenho.

A função de atirador de helicanhão, quer na Guiné como em Angola, era desenvolvida pelos cabos especialistas MARME. Em Moçambique, julgo que eram da especialidade MMA, havendo ainda e em alguns casos, pilotos.

Reportando-me exclusivamente à Guiné, por conhecimento de causa, de Junho de 1970 a Junho de 1972, período de tempo em que realizei a minha comissão de serviço militar naquela então Província Ultramarina, recordo-me particularmente dos camaradas: Lourenço; Pedro; Casaca, todos eles mais antigos que eu. Comigo e depois de mim, o Figueiredo; Pimentel; Meneses e muitos mais que agora não recordo os seus nomes.

Legenda:Eu,Américo Dimas aos comandos do canhão e o "pseudo-piloto" é o meu amigo Ribeiro Melec/Inst./Av.
Foto:Américo Dimas (direitos reservados)


Para serem considerados aptos para a função, os candidatos tinham primeiramente que fazer uma pequena especialização, constituída pela parte teórica, que compreendia o conhecimento de todos os componentes do equipamento utilizado, e pela parte prática, voando e fazendo alguns tiros de treino, após o que ingressavam oficialmente no “team” do Lobo Mau.

Realizavam-se diversos tipos de serviço. Recordo-me particularmente dos três seguintes:

I – Alerta (na Base), que incluía o apoio a evacuações, a recuperação de feridos ou acidentados principalmente das zonas de risco, ou de contacto com o “IN”.

No Grupo Operacional 1201, havia sempre equipas prontas para “o que desse e viesse”…e preparadas para, ao primeiro sinal de alarme, avançarem para as respectivas aeronaves, como eram os casos dos Fiats; T6G; DO-27; Alouette III (Canibais) e “Lobo Mau”, para concretização das respectivas missões, no mais curto espaço de tempo possível.

Este serviço era aquele que poderia proporcionar, tanto o “nada acontecer”, como também poderia provocar grande movimentação e consequentemente, maior risco.

II – Apoio às Operações. Este era o tipo de serviço que implicava toda uma preparação antecipada, pois era objecto de “briefing” entre o Comando e os pré-designados intervenientes na dita operação.

III – Protecção às saídas do General Spínola, nas suas visitas às povoações e/ou quartéis no interior do território, principalmente para realização das acções de “psico”, como eram conhecidas.

Serviço também previsto antecipadamente, permitindo assim a sua adequada preparação.

Como não havia um chefe graduado que se ocupasse das designações, elas eram estabelecidas entre os cabos especialistas do “team” do Lobo Mau.

Já no final da minha comissão, achei que era tempo de me começar a “preservar” mais e assim escolher, sempre que possível, os serviços que mais gostava de fazer e isso era sem dúvidas, acompanhar o General Spínola nas suas viagens pelo interior, onde era sabido que havia sempre “Festa na Tabanca”…, com rancho melhorado e batuque…

Recordo de ter efectuado algumas destas missões, acompanhando o Alferes Pil.Av. Reis (julgo que era de Sesimbra ou próximo daquela vila…!?!?).

Achava piada porque ele ia sempre todo muito bem apresentado, de lenço verde ao pescoço e equipado com máquina fotográfica e de filmar, para as suas “reportagens” como gostava de referir.

A transformação de um Alouette III, de Canibal para Lobo Mau, consistia em desmontar o assento da frente (do lado contrário ao lugar do piloto), após o que era montada e fixada uma placa-base, para possibilitar a montagem do equipamento do Lobo Mau, designadamente: a cadeira do atirador, virada para a lateral esquerda do hélio, posicionada assim transversalmente e nas traseiras no assento do piloto; o canhão MG 20mm, imediatamente à frente do lugar do atirador, virado também para a lateral e os dois contentores de munições, que eram ligados “à vez” ao canhão, através de um colector metálico flexível e a recolha da porta lateral, possibilitando assim toda a liberdade de movimentos possíveis do canhão.

O atirador possuía um cinto de segurança, que por sua vez ficava ligado por um cabo ao interior do helicóptero, permitindo assim a completa movimentação do atirador, em segurança e sem o perigo de poder vir a sair porta fora, no caso de alguma manobra mais imprevista…

Como medida também de segurança, o atirador só preparava o canhão para disparar, já em pleno voo.

Uma das situações quiçá de difícil execução, era a mudança do cano do canhão, em pleno voo, quando aquecia demasiado.

Que o diga o Lourenço…, que por isso mesmo passou certamente por maus tempos…

O disparo era feito normalmente através de sistema eléctrico (gatilho) ou mecanicamente quando acontecia alguma avaria no sistema eléctrico.

O procedimento para efectuar a pontaria por meio da mira existente, era algo que a grande maioria dos atiradores não utilizava, pela sua própria dificuldade. A prática corrente consistia em fazer o primeiro tiro e a partir daí corrigir a trajectória dos projécteis, em cadências de duas ou três munições por disparo.

O êxito ou fracasso do tiro, ficava assim dependente das capacidades próprias do atirador.

Muitas estórias haverão para contar, mas deixo isso ao encargo de quem as viveu…

Américo


VB.Boas Américo.
Aqui temos o primeiro depoimento de um "Lobo Mau"!
Vamos aguardar pelo dos restantes companheiros que cujo o perigo era a sua profissão.Era realmente uma vida muito arriscada a desta dupla(piloto+mecânico),embora fosse a arma mais temivel pelo IN.