terça-feira, 23 de abril de 2013

Voo 2761 "GUERRA DA GUINÉ:BATALHA DE CUFAR NALU".








Manuel Lomba
Fur.Mil.Exércº




Sou o autor e venho importunar os camaradas tertulianos com a sua promoção, oferecendo um preço especial. O seu conteúdo é transversal à problemática da guerra da Guiné e  refere a prestação de cerca de 60 unidades militares.
Farei o seu envio pelo correio ao preço 15 Euros, custos de porte incluídos.

Extracto do Livro:



Chegou ao cais do rio Meterunga o grosso do efectivo da Companhia de Caçadores 763, comandada pelo capitão Costa Campos, para a nossa rendição, dotada de 8 cães de guerra, treinados por si e por sua conta e risco, género de combatentes que os turras também já mobilizavam. Os cães vieram acrescentar-se aos passarinhos, às vacas, aos patos bravos, às árvores, à vegetação, a toda a magia da Natureza, na engrenagem da máquina de sacrifícios, de sofrimento e morte que era a guerra da Guiné. Pelos cães, pelo brasão e pelo guião, pusemos-lhe o nome da Companhia dos Cães. Os turras não terão visto o que vimos deles, mas sobrar-lhes-ão motivos para, posteriormente, os alcunhar de “lassas” (abelhas).
O abrigo do depósito de géneros do estacionamento estava escancarado e vazio. Havia dias que não se via o fumo das chaminés das cozinhas rodadas a elevar-se ao céu, a anunciar rancho quente, e o estado de ruína dos nossos aparelhos digestivos já tolerava melhor a fome que a ingestão das rações de combate da Manutenção Militar. Aqueles “periquitos” (fardas verdes) da rendição vieram de Bissau, com volumoso carregamento de mantimentos e de suficiência, ou soberba, na exibição do direito ao seu exclusivo proveito. Coube a nós, mais velhos e “maçaricos”, (fardas amarelas), manter os turras à distância, para a chegada das suas pessoas e bagagens e tivemos de continuar a contê-los, a seco, para o desembarque dos comes e bebes, próprios para gente refeiçoar. Alguém bichanou a ideia e começamos a magicar expedientes de como lhes surripiar um garrafão de vinho e um bacalhau, para dizermos o adeus às armas de Cufar com uma “punheta” (do dito).
A ambiência da guerra é vivida como de outro mundo; mas aqueles “periquitos” da Companhia dos Cães pareciam vindos de outro, tal era a disciplina e método incutidos à desestiva das lanchas e ao tráfego das suas provisões de géneros alimentícios. Treinavam os cães e parecia-nos que os cães os treinavam a eles. O seu furriel vagomestre supervisionava todos e tudo, omnipresente, e enviava uma espécie de “guia de remessa” pelos grupos que faziam o tráfego para o estacionamento, que o seu primeiro-sargento conferia no destino, presencialmente. Os garrafões partidos ou esvaziados por consumo na viagem eram-nos entregues, com a maior displicência, qual tarefa menor, pela nossa missão de segurança, para os levar a vazadouro, à montureira que o estacionamento havia criado, na margem direita do Meterunga, exterior ao perímetro da sua segurança, povoada por um bando de flamingos, originários do rio Cumbijã, e por uma colónia de abutres jagudis, que a putrefacção do lixo atraíra para ali.
Tamanha vigilância conseguia conter as nossas intenções predadoras. Justificava-se a falta de iniciativa da acção específica fazendo circular entre nós o trocadilho de que tínhamos “os cães da Companhia” à perna. Nenhum mal é absoluto e havia muito tempo que a vida nos ensinara a reverter em nosso proveito a pequena parcela de bem que todo o mal contém. A situação não nos escapará à melhor análise, para o desencadear da acção dela consequente. Um tiro de aviso seria decisivo; mas com coisas sérias não se brinca, a despeito de dispostos a fazer um séria brincadeira.
Saiu um aviso, dirigido àquele vagomestre, a alertar que os turras viviam a cerca de 2 km, com super-metralhadoras, morteiros e canhões, que a morosidade do serviço estava a colocar-nos em grande risco, pelo que a segurança disponibilizava dois elementos em seu reforço e ajuda.
A invocação da proximidade dos turras era eficaz a impor o respeitinho, monopolizador das atenções. A solicitude sensibilizou o vagomestre, a contribuir para a sua fragilização. Um dos disponibilizados encheu um garrafão vazio no rio, outro pegou num garrafão partido e começou a dissimular um desvio, em sentido oposto à montureira; ele deu em cima dele, a farejar furto, afrouxou a vigilância, já afrouxada pela solicitude e pela atenção a eventuais sinais dos turras, enquanto aqueloutro trocava o garrafão de água por um garrafão de vinho, que levou, na maior das calmas, a esconder na montureira. O vigilante voltou, contou e recontou os garrafões. Tudo em conformidade, tudo num ápice, como de um golpe de mão se tratasse. O inconfundível cheiro de bacalhau salgado andava no ar, a provocar-nos as suas memórias gustativas, libertado duma caixa rebentada, com dizeres “graúdo” a encimar o lote do dito, rabos e badanas esparramados - e as operações da desestiva das lanchas aproximavam-se do fim. A sorte protege a audácia, escrevera Virgílio, na Eneida. Ante essa iminência, a segurança instruiu e destacou um outro do seu efectivo, para ajudar “a esfolar o rabo” e dar fim a esse trabalho, que o vigilante se apressou a agradecer, sem reparar no pormenor de ele se apresentar com o dólmen camuflado, a contrastar com a generalidade, em tronco nu.
Era sabido que os turras não gostavam de andar à luz do dia e, partindo da ideia que estariam a descansar das suas noitadas operacionais, um vigilante foi destacado para irritar os abutres jagudis, que reagiram furiosamente, com o seu grasnar fúnebre, contagiando os flamingos e toda a passarada ao redor entrou em alvoroço. A segurança correspondeu ao alarido com a emissão do alerta de perigo, toda a malta se colou ao chão - o respeitinho que faltava, decisivo, pelos turras. O último “maçarico” disponibilizado para o “tráfego e estiva” mergulhou junto ao lote das caixas de bacalhau e atracou-se à rompida, para surgir a rastejar, no sentido da montureira, tendo alegado ao vigilante que ia “pela arma”. No sítio certo, largou dois bacalhaus, que levava sob o dólmen camuflado, badanas entaladas na cintura e rabos entalados nos sovacos, razão bastante e suficiente para provocar o imediato levantamento do alerta de perigo; logo ele foi retomar a sua tarefa de ajuda, agora com a arma, mas em tronco nu, tal como os “periquitos”.
Algumas horas passadas, aqueles dois bacalhaus estavam desfiados, dessalgados por açúcar, feitos em salada com as últimas cebolas picadas, regados com os restos de azeite e comidos (e “bebidos”), com a discrição aconselhável, no ventre do poilão sagrado, novo posto de sentinelas avançadas, no segmento que nos cabia na defesa da nomadização em Cufar. Os turras e o Irã da mata de Cufar Nalu portaram-se condescendentes. A irreverência não negligenciara a prudência; para não se correr riscos, como alvos de participação e acção disciplinar, a prevenir “porradas” e, também, pela ausência de confiança mútua, a praxe não foi respeitada, ao não se convidar o proficiente vagomestre da Companhia de Caçadores 763 a partilhar da petiscada, na nossa despedida da nossa estada de 65 dias naquele palco no coração da guerra da Guiné.

Contactos: Terras de Faria, Ldª
R. da Igreja, 44
4755-204  Faria/Bcl ou terrafaria@iol.pt


Saudações cordiais,
Manuel Lomba 

Sem comentários:

Enviar um comentário