sexta-feira, 11 de julho de 2014

Voo 3191 UM DIA ROTINEIRO NA BA 12






Miguel Pessoa
Cor.Pilav.
Lisboa





Partida para a missão

O mecânico acompanha-me enquanto faço a inspecção de 360º ao Fiat G-91 estacionado na placa, na BA12. Sinto a ansiedade habitual nos últimos voos. Também não admira - quando sabemos que vamos encontrar fogo de anti-aérea e possíveis Strela, é natural que fiquemos preocupados. Como tem vindo a ser habitual, a tensão dá-me voltas ao estômago enquanto continuo a inspecção exterior ao avião. Parece que tenho vontade de vomitar mas nada sai. Tento disfarçar, que o mecânico continua ao meu lado e ninguém gosta de dar parte de fraco ao pé dos outros.
Mas os antecedentes não ajudam muito... Já "fui ao charco" uma vez e não gostei. E o problema é que matematicamente tenho as mesmas hipóteses que os outros de ser abatido - não me parece lá muito justo! Só voltei à Guiné há poucas semanas e a readaptação tem sido difícil; é muito penoso para mim recordar o tempo que estive sozinho no mato, depois da minha ejecção, sempre na iminência de ser "apanhado à mão", por isso é natural que esteja preocupado.
Aliás, também os mecânicos andam preocupados. É grande a sua responsabilidade - o avião tem que funcionar que nem um relógio, o armamento não pode falhar, a Martin-Baker(*) tem que funcionar se tudo o resto correr mal - nenhum quer ser responsável pela perda de um piloto.
Logo hoje, que era o meu dia de folga! Bom, nesta bagunçada nada é garantido e temos que ser adaptáveis às mudanças... Mas a Esquadra foi solicitada para uma série de missões importantes que podem contribuir para diminuir o fluxo de pessoal e material que se interna na Guiné vindos do exterior. Se resultar, poder-se-á reduzir a intensidade das flagelações aos nossos aquartelamentos; este esforço já se prolonga há dois dias e todos juntos não somos demais. Neste momento sou o oficial mais antigo (um tenente!) a seguir ao Comandante de Esquadra, por isso, como oficial de operações (nome pomposo!) cabe-me a mim indicar os pilotos para as missões. Naturalmente, o meu nome tem que aparecer lá (o exemplo tem que começar por nós) e a folga, paciência!, fica para outro dia.
O avião está OK, o armamento pronto, como normalmente - o pessoal da linha não falha, como de costume - e eu dirijo-me para a escada para ocupar o meu lugar no "cockpit" - controlo um último espasmo e enquanto subo a escada verifico, penduradas nela, as diferentes cavilhas de segurança que o mecânico retirou. Coloco o capacete, o mecânico ajuda-me a colocar os cintos. Percorro com os olhos o "check-list" para confirmar que fiz todos os procedimentos correctamente antes de pôr em marcha. O chefe da formação, no avião ao meu lado, faz sinal com a mão para pormos em marcha. Primo o botão do cartucho de arranque do motor, este começa a rodar e estabiliza nas rotações normais. Executo os restantes procedimentos, acciono a descida da "canopy"(**) e faço sinal ao mecânico para tirar os calços das rodas.
Tudo OK! Aumento as rotações do motor para sair do estacionamento e inicio a rolagem do meu avião atrás do outro, fazendo antes um aceno de despedida ao
mecânico que me deu a saída. Toda a excitação acumulada anteriormente parece abandonar-me. Estou ali só, dentro do avião, controlando os meus medos de modo a que não interfiram com o cumprimento da missão. Temos de esquecer tudo e concentrarmo-nos totalmente no voo que temos pela frente, vigiando o espaço à nossa volta, tentando detectar alguma ameaça para o nosso ou para os outros aviões.
Finalmente estamos no ar e dirigimo-nos para o alvo definido no "briefing" antes do voo. Tudo corre normalmente e sinto uma estranha sensação de calma que contrasta com o nervosismo anterior.
Os "Tigres" da Esq. 121 estão no ar para mais uma missão de rotina nos céus da Guiné...
Miguel Pessoa

(*) Cadeira de ejecção do Fiat G-91 R4
(**) Cobertura da cabina


VB: Ó Miguel, pelo que vejo, também fizeste o teu"Diário da Guiné"?!... Que dia ou págª.é esta?
Pois estas tuas passagens já as não vivi na Guiné visto ter terminado a minha comissão primeiro que tu (Piu-Piu), mas recordo outras que nunca mais me vão sair da memória. Sabes bem ao que me refiro, e os nossos companheiros também, pois já o frisei neste espaço, o teu acidente.
Lidar contigo é um privilégio que nem todos têm!
Eu fui e continuo a ser um privilegiado.
Obrigado, Companheiro!

2 comentários:

  1. O título diz “Um dia rotineiro...”, no entanto, o texto revela um pouco e eu tento imaginar o que possa ter sido o retorno a estas situações de alto stress depois de ter sido abatido por um míssel Strella. O Coronel (Tenente) Miguel Pessoa fez questão de regressar e de novo acompanhar os restantes camaradas de missão.
    Sem mais comentários.
    Um abraço,
    João Carlos Silva

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  2. Eu também sou um privilegiado por poder contactar e ser amigo do nosso heróico Corn. Miguel Pessoa, este relato e a maneira como é feita a discrição, de quem já tinha tido a má experiência de ser traiçoeiramente abatido por um míssil strella, digo traiçoeiramente pois era uma arma desconhecida no terreno, ninguém contava com ela, e depois de muitos estragos não havia uma solução viável para a combater, dai o receio de ir para o ar, vários foram os mecânicos
    que viram sair um avião mas não o viram regressar, eram e são o ultimo contacto com o Piloto.
    Um Abraço.
    Paulo Moreno

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