terça-feira, 16 de setembro de 2014

Voo 3223 APRENDENDO COM A ASNEIRA...








Miguel Pessoa
Cor.Pilav.
Lisboa




VENTOS E CATA-VENTOS


O pára-quedas de cauda do Fiat G-91 era um componente importante na utilização do avião em pistas mais curtas ou naquelas em que, devido às altas temperaturas existentes, a corrida de aterragem (*) era agravada.
Lembro-me, depois de uma aterragem em Nova Lamego (em que naturalmente tive
que usar o pára-quedas de cauda), não havendo ali material de substituição, tive que prosseguir para Bissalanca sem poder recorrer a ele. E, dadas as altas temperaturas verificadas àquela hora na pista da BA12, recordo-me bem que, sem o pára-quedas, o avião "comeu" praticamente a pista toda até se imobilizar. E os travões ficaram bem quentes nessa ocasião...
Naturalmente, havia algumas restrições ao uso do pára-quedas do avião, nomeadamente no que diz respeito às condições e velocidades máximas de utilização. Assim, ele deveria ser extraído apenas depois de o avião tocar no solo e com uma velocidade inferior a 150 nós (**).
Compreendem-se essas restrições pois o pára-quedas, aberto, comportava-se como um verdadeiro cata-vento e, se nos lembrarmos que na outra ponta estava o avião, imagine-se a rotação a que este podia estar sujeito no caso de ventos fortes laterais. E esses efeitos sentiam-se ainda mais no ar. Por outro lado, havia um limite físico à abertura do pára-quedas - o cabo que ligava o pára-quedas ao avião tinha uma rotura prevista aos 3000 kg de força, o que acontecia quando a abertura era efectuada acima dos tais 150 nós (***).
Corria-se nesse caso o risco de a calote se desprender, deixando o pára-quedas de ter qualquer utilidade.


Existia no entanto uma gama de velocidades (pequena) entre a velocidade de tocar no chão e a velocidade máxima de abertura do pára-quedas que permitia abrir o pára-quedas ainda no ar, sem ultrapassar essa velocidade limite. Tinha que se ter um cuidado extra, pois ao abrir o pára-quedas o nariz do avião tinha tendência para baixar. Na verdade não se ganhava nada com isso mas era um exibicionismo que um piloto mais atrevidote gostava de experimentar. Bem, foi precisamente o meu caso...
Dei-me bem com o método (que, na verdade, usei apenas esporadicamente), até ao dia em que fiz uma aproximação a Bissalanca e resolvi abrir o pára-quedas de cauda imediatamente antes de tocar, sem ter tido em muita consideração os ventos que a Torre de Controlo me reportava.
O facto é que rapidamente me arrependi do feito, pois o avião iniciou um par de rotações para um lado e outro do eixo da pista (20º ou mais para cada lado). Tendo finalmente conseguido dominar o animal (os animais, se incluirmos o que ia a pilotar...) lá consegui pôr o estojo no chão e fazer uma corrida de aterragem mais ou menos normal. E o facto é que nunca mais, desde então, deixei de cumprir rigorosamente o que estava estabelecido no referente às condições e velocidades de utilização do pára-quedas de cauda do Fiat G-91...
Miguel Pessoa

 (*)  Em termos simples, a distância percorrida desde o "tocar no chão" até à paragem completa do avião
(**) 150 nós (ou 150 milhas náuticas por hora) correspondem a quase 280
km/hora (150x1,853=277,9 km/h)
(***) Um agradecimento ao Cristiano Valdemar, ex-mecânico de Fiat G-91 na BA12, que me relembrou estes dois valores, já desaparecidos do meu "disco rígido"...
Cartoon do Fiat G-91 da autoria do Paulo Moreno
Foto da aterragem do Fiat G-91 da autoria do então Sarg. Coelho, da Secção Fotográfica da BA12

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